quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Bauman e o contemporâneo

Antonio Campos*



A Festa Internacional Literária de Pernambuco (Fliporto) quis trazer o sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman ao vivo para o público em Olinda, mas o sociólogo, hoje com 88 anos, alegou de bom humor que já passou da idade para viagens internacionais. No entanto, recebeu o jornalista Silio Boccanera, ao nosso pedido, para uma entrevista exclusiva, na cidade de Leeds, norte da Inglaterra. Tal vídeo foi transmitido em um painel da Fliporto e comentado pelo economista Sergio Besserman Vianna, em conversa com Silio Boccanera.

A lucidez de Bauman é impressionante. Indagado se os movimentos sociais em várias partes do mundo tinham algo em comum ele começou diferenciando o que é poder e política. Segundo Bauman, poder é a capacidade de fazer as coisas e política é a capacidade de decidir as coisas. Os movimentos sociais demonstram que, no mundo líquido moderno, esses conceitos estão se distanciando e um dos vetores são os movimentos sociais nas ruas e nas redes sociais. Demostram uma crise de representatividade da classe política, transferindo parte do poder para as redes e movimentos sociais, num mundo globalizado conectado.

A tese de Bauman da atual sociedade líquida moderna se caracteriza pela imagem do que nesta sociedade nada é solido ou conserva a forma por muito tempo. Os valores se alteram com velocidade, provocando insegurança e medo nas pessoas. A solidariedade se dispersa ou se dissolve, as pessoas se voltam para o consumo como uma forma de definir sua identidade. Uma das características dessa era de hiperconsumo é que mais importante do que consumir é o poder de descartar as coisas. Se leva horas trabalhando para adquirir um iphone 5 para dar a um filho que já tem um iphone 4, em detrimento de horas que poderia estar convivendo com ele. 

Se Descartes estivesse vivo, diria: “Estou no Facebook, logo existo”, comenta Bauman. Fenômenos como o Facebook demonstram o medo da solidão do ser humano, que incrivelmente expõe coisas íntimas na rede, que antes talvez só confessasse a um grande amigo ou a um Padre.

Se estamos sendo vigiados por uma grande rede de espionagem, por outro lado ao nos expormos nas redes sociais, na internet  e nos celulares contribuímos para essa espionagem numa verdadeira servidão voluntária ao Big Brother, que é um conceito utilizado por Bauman.

Dois mitos precisam ser revistos, segundo ele: a obsessão pelo crescimento do PIB e o mito do livre mercado em detrimento do Estado, que ruiu na crise de 2009 do Leman Brothers. A atuação do Estado de forma equilibrada é necessária, segundo Bauman. Mais importante que crescer é o conceito de desenvolvimento sustentável. Se o mundo consumisse no padrão Suécia, precisaria de 4 planetas Terra para sustentar tal crescimento. Vale a pena ler a obra desse grande pensador do contemporâneo, inclusive a mais recente obra editada “Cultura no mundo moderno líquido”.



* Antônio Campos - advogado, escritor, editor, membro da Academia Pernambucana de Letras e curador da Fliporto.

camposad@camposadvogados.com.br

http://www.jb.com.br/antonio-campos/noticias/2013/11/21/bauman-e-o-contemporaneo/

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