terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Aristócrates escreve: O perigo da justiça com as próprias mãos




A internet está lotada de exemplos assim e a facilidade de acesso a eles tem deixado à mercê da sorte as nossas crianças e jovens

O mais famoso e mais intrigante caso de injustiça cometida na história foi contra um homem que pregava o amor ao próximo . À época com 33 anos, Jesus Cristo foi aviltado e sumariamente assassinado a mando de Pôncio Pilatos logo após grande incitação popular.  A regra do “inocente até prova em contrário” que reconhecemos hoje como um dos corolários do Direito moderno já existia na Lei judaica da época em que Jesus foi injustamente morto, mas foi deixada de lado e deu lugar à ira de uma multidão.

Essa breve digressão serve de referência para o fenômeno conhecido atualmente como justiça com as próprias mãos ou justiça privada, fenômeno este cada vez mais comum no Brasil e que, na maioria das vezes, é praticado diante do descrédito que a sociedade tem dado à falta de efetividade das leis e do Judiciário.

 Chega a ser preocupante a quantidade de imagens publicadas na internet em que seres humanos acusados de cometerem crimes são destroçados até a morte sem nenhum direito de defesa ou súplica. Em uma imagem publicada recentemente em uma rede social, um homem acusado de abusar sexualmente de duas crianças foi brutalmente assassinado e teve o seu órgão sexual retirado. Não houve julgamento e nem provas precisas de que ele realmente cometeu os crimes. Prevaleceu o benefício da dúvida, prevaleceu o barbárie!

É como se estivéssemos retrocedendo no curso da história e experimentado, por exemplo, os desmandos da inquisição, da lei de talião (olho por olho, dente por dente), o holocausto e, mais recentemente, da ditadura militar. Mutatis mutandis, em todos esses momentos  a Lei e os mais básicos princípios de humanidade foram jogados para escanteio e deram lugar a uma violência descomunal.

Em outro vídeo gravado no Maranhão é possível ver dois jovens sendo torturados por populares e agonizando no chão. Sem piedade, os populares, melhor dizendo, os assassinos, usam de pedaços de pau e chutes para pôr fim à vida de um suposto delinquente que, segundo disseram, acabara de assaltar um moto-táxi. A internet está lotada de exemplos assim e a facilidade de acesso a eles tem deixado à mercê da sorte as nossas crianças e jovens, ainda em fase de formação da personalidade, e incitando ainda mais a sanha natural introjetada em cada um de nós tendente ao cometimento de crimes.

 Nessa perspectiva, há também um reforço àquilo que se convencionou chamar de “Direito Penal do Inimigo”, propugnado pelo penalista alemão Gunter Jakobs. Levando em consideração alguns postulados de Kant, pregava a eliminação daqueles indivíduos que se voltavam de forma contumaz contra as leis e a ordem social, fazendo uma clara distinção entre cidadãos e inimigos.

Por amor ao debate, não podemos esquecer que tudo o que foi dito anteriormente decorre em grande parte da sensação de impunidade vivenciada pelo povo brasileiro. No país em que reina a improbidade, o jogo de interesses, injustiça social, o “quem dá mais” e  a cultura do “jeitinho” muita gente perde as estribeiras e acabam resolvendo por conta própria supostos crimes que, em tese, deveriam ser levados ao judiciário para apreciação por um juiz imparcial, racional e estribado nos mandamentos legais.

Desta feita, o que vai tornar o mundo habitável ou não é a capacidade de os homens exercitarem a sabedoria, os valores e princípios humanitários, a crença na justiça e, acima de tudo, o amor ao próximo. Não podemos permitir que a ignorância prevaleça em nossas mentes, pois chegará a hora em que uma simples acusação sem fundamentos custará tão caro que terá o poder de comprar uma vida, e pode ser a sua.

Aristócrates Carvalho é acadêmico de Direito da UESPI-Floriano

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